O
cidadão das sociedades contemporâneas vive num estado de extrema
separação.
Esta separação age numa dupla acção, uma externa e uma interna:
Estamos separados das coisas que nos circundam, ou seja, do mundo, em
quanto instauramos com ele uma relação de puro domínio e desfrute,
e nunca de composição; estamos separados também do nosso poder que
é não só a potencia de fazer ou ser, mas também de não fazer e
de não ser.
O
raio de acção humana caracteriza-se como um poder-de-não fazer ou
ser necessariamente alguma coisa e é isto que nos diferencia dos
outros seres vivos. «Enquanto o fogo só pode queimar e os outros
seres vivos só podem o seu próprio poder específico, podem só
este ou aquele comportamento inscrito na sua vocação biológica, o
homem é o animal que pode a sua própria impotência Estar separado
da própria potencia significa, hoje mais do que nunca, estar
separado da possibilidade de não-fazer ou não-ser isto ou aquilo.
Separado da sua impotência, privado de experiências do que pode não
fazer, o homem de hoje crê-se capaz de tudo e repete o seu jovial
“tá-se bem” o seu irresponsável “ pode-se fazer” mesmo
quando deveria, ao invés, dar-se conta de estar entregue numa escala
inédita a forças e processos sobre os quais perdeu todo o
controle». (Agamben).
«Pode-se
definir religião como algo que subtrai coisas, lugares, animais ou
pessoas do uso comum e transfere-as para uma esfera sagrada, que é
de facto um âmbito separado.
Não só não há religião sem separação, mas cada separação
contem ou conserva em si um núcleo religioso. Neste horizonte não é
errado definir a fase do capitalismo que estamos a viver, como uma
das mais potentes
e ao mesmo tempo perigosas religiões
que alguma vez existiram»
(Agamben). O capitalismo, através dos seus dispositivos não faz
mais do que generalizar em todos os âmbitos da vida humana a
estrutura da separação.
As
nossas práticas, como tudo o que tem sido produzido e vivido, é
dividido, separado numa esfera, que se pode definir como sagrada.
Esta esfera é o consumo,
pressuposto de uma prática
que tende sempre à acumulação. Por consumo
não se deve entender
apenas o mero “consumismo”, conceito que estamos habituados a
pensar numa dimensão somente económica, ou no máximo psicológica,
e que nos se apresenta como o resultado inevitável das nossas
sociedades da abundância. Por consumo devemos entender uma
modalidade, ou talvez a modalidade com a qual o cidadão das
democracias de hoje se refere ás suas práticas. Nesta esfera,
religiosamente separada, cada uso se torna impossível.